sexta-feira, 3 de agosto de 2012

HOLOCAUSTO JUDEU



O Escriba Valdemir Mota de Menezes é professor de História em Praia Grande, no Ensino Fundamental para alunos do oitavo e nono ano,  tem ensinado sobre o HOLOCAUSTO JUDEU. Este texto serviu de fonte de pesquisa.



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O HOLOCAUSTO JUDEU E OS OUTROS
GENOCÍDIOS70
Marcio Pitliuk
Por que o Holocausto judeu foi diferente dos outros genocídios? Esta é uma
questão que serve como ponto de partida para os educadores abrirem o debate sobre o tema
genocídio nas salas de aula. Uma das razões é que os genocídios continuam a ser praticados
ainda neste século XXI contra diferentes povos e por distintos grupos étnicos e/ou políticos.
No entanto, o Holocausto praticado pelos nazistas entre 1933-1945, deve ser avaliado como
um fenômeno distinto dos demais genocídios, conforme têm demonstrado os especialistas no
assunto.71
Alguns elementos se prestam para caracterizar este fenômeno, único na História da
Humanidade:
O planejamento e a organização da sociedade civil e militar alemã no assassinato
de seis milhões de judeus.
O extermínio dos judeus foi um assassinato premeditado pelo Estado alemão e
que não se restringe ao período da Segunda Guerra Mundial, como mostram muitos
livros didáticos. Não foi algo que aconteceu por acaso e nem os milhões de judeus foram
mortos pela guerra, como enfatizam os revisionistas e aqueles que negam o Holocausto e as
Câmaras de gás. A destruição do povo judeu e de outras minorias éticas foi muito bem
planejada e organizada pelo Estado, com a conivência de grande parte da população
alemã. Não só o povo judeu, como também a cultura judaica: livros escritos por judeus e em
defesa dos judeus, sinagogas queimadas, escolas destruídas, carreiras interrompidas. Assim
podemos falar em genocídio físico e genocídio cultural72, debate que permeou as discussões
na ONU logo após o final da guerra, culminando na resolução que definia o conceito de
crime contra a humanidade.
E aconteceu há muito pouco tempo, em pleno século XX, organizado pela Alemanha,
um dos países da Europa mais cultos e desenvolvidos na época. Há apenas 64 anos, ou seja:
Hitler chegou ao poder em 1933, eleito pelo povo. Todos aqueles que o elegeram conheciam
sua plataforma política e seu plano de tornar a Alemanha um país grande e forte. Mas, o ser
“grande” implicava em expandir seu território [espaço vital] para as terras no leste europeu,
além de tornar a Alemanha “ limpa de judeus”.
O plano de extermínio dos judeus não se limitou a Solução Final. Uma fase
anterior [1933-1938] antecedeu o Plano de Extermínio propriamente dito. OU seja,
milhares e milhares de judeus morreram assassinados ou morreram de forme, do
trabalho forçado, de doenças. Temos como referência a data de promulgação das Leis
de Nuremberg em 13 de setembro de 1935, momento em que,
Durante uma reunião do Partido Nazista em Nuremberg, foram promulgadas as
primeiras leis racistas na Alemanha. Estas leis definiam o judeu não como quem praticava o
judaísmo, mas quem descendia de judeus. Bastava ter um avô ou avó judeus. Bastava ter
sangue judeu. Mesmo quem era filho de judeus convertidos, há duas ou três gerações, eram
considerados judeus. E os judeus da Alemanha eram cidadãos alemães, assim como os judeus
70 Marcio Pitliuk é publicitário, escritor e dramaturgo. Dedica-se há mais de três anos a estudar o
Holocausto. É autodidata, visitou museus e os campos de concentração e extermínio nazistas, leu
dezenas de livros sobre o assunto e assistiu dezenas de horas de depoimentos de sobreviventes. Autor
do livro “Marcha da Vida”, São Paulo, Editora PitCult, 2009.
71 Dentre as principais obras que tratam do Holocausto enquanto genocídio singular cabe citar
“Os Carrascos Voluntários de Hitler” de Daniel J. Goldhagen, Cia das Letras.
72 Genocídio físico e genocídio cultural são dois termos distintos. Genocídio físico é a destruição física
de um povo, o assassino si temático; Genocídio cultural é a destruição de qualquer traço da cultura de
um povo, seja livro, arte, religião, história.
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do Brasil são cidadãos brasileiros. Cabe lembrar que os judeus estavam há mais de 600 anos
na Alemanha formando praticamente 18 gerações.
O primeiro ato das Leis de Nuremberg foi tirar a cidadania dos judeus que deixavam
de ser cidadãos alemães para se tornarem apátridas. Proibiram o casamento e as relações
sexuais entre judeus e não judeus. Ao mesmo tempo cassaram os direitos políticos dos judeus,
limitaram as profissões liberais e, rapidamente, proibiram os judeus de exercê-las. É fato que
muitos judeus foram expulsos das escolas públicas e universidades que, inicialmente
estipularam cotas raciais. Os judeus foram também proibidos de trabalhar em emprego
publico. De atuarem no teatro como atores ou diretores. Médicos judeus foram proibidos de
atuar nos hospitais públicos, enquanto que todos judeus, de forma generalizada não podiam
mais receber aposentadoria.
Tudo isto, apesar de terem lutado na Primeira Guerra Mundial na condição de
autênticos cidadãos alemães. Apesar deste forte sentimento germânico, eram ainda proibidos
de andar nas calçadas e deveriam tirar o chapéu quando passavam na frente de um militar
alemão e baixar a cabeça. O circulo foi se fechando cada vez mais tirando dos judeus
todas as possibilidades de sobrevivência. A partir de 1937 os judeus tiveram suas contas
bancarias confiscadas, os médicos judeus só podiam tratar de judeus e os advogados não
podiam mais exercer sua profissão. Ao longo dos anos, foram perdendo tudo: bens, empregos,
direitos.
Em três anos, os direitos dos judeus, que eram apenas 2% da população da
Alemanha, desapareciam. Os documentos de identidade dos judeus tinham que ter um “J”
vermelho para facilitar a identificação e, no caso de não terem nomes judaicos, o nome do
meio deveria ser Israel para os homens e Sara para as mulheres.
Lentamente, mas com grande violência física e simbólica, firme e constantemente, os
judeus foram cercados, acuados e destruídos psicologicamente. Isto foi acontecendo tanto na
Alemanha como nos países ocupados pelos nacional-socialistas. Ou seja, o projeto de destruir
os judeus não foi uma explosão de raiva, um ato impensado, uma revolta popular. Foi
lentamente preparado e executado, exterminando mais de seis milhões de judeus, ciganos,
testemunhas de Jeová, além de milhares de comunistas e socialistas. É este perfil que o
distingue dos demais genocídios.
E como isso foi possível acontecer? Como os alemães e outros cidadãos de
distintas nacionalidades -- e que se posicionavam como cidadãos de bem -- aceitaram
praticar e/ou conviver com tudo isso? Por que muitos judeus não quiseram deixar a
Alemanha quando o processo de exclusão começou a tomar forma? Várias são as razões. Não
se abandona uma pátria tão facilmente. Os judeus tinham empresas, residências, empregos e
viviam na Alemanha há 600 anos. Mesmo aqueles que optaram por emigrar, fato possível até
a “Noite dos Cristais”, encontravam dificuldades: não era fácil conseguir um visto para
emigrar. E até então não existiam parâmetros que servissem de referências para tudo aquilo
que estava acontecendo na Alemanha e, posteriormente, nos países ocupados. Ninguém
imaginava o que aconteceria e como aconteceria. Todos achavam que o nazismo e Hitler iam
passar.
Em 9 e 10 de novembro 1938 o Partido Nazista organizou um grande pogrom que
ficou conhecido como a Noite dos Cristais. Lembro aqui que os pogroms aconteciam desde a
Idade Média na Europa do Leste. Eram bandos de homens incitados por discursos
antissemitas proferidos por intelectuais, líderes políticos, membros da Igreja Católica, dentre
outros segmentos sociais. Instigados, invadiam vilarejos judeus, queimavam suas casas,
batiam nos homens, estupravam as mulheres, atos que muitas vezes culminavam em dezenas
de mortes. Mas os pogroms eram explosões espontâneas de ódio racial, desorganizados: o
objetivo não era o extermínio físico e cultural de um povo, articulado pelo Estado ou por um
grupo étnico ou político. De maneira cruel, mas desorganizada, sem um plano sistemático.
Lembro aqui que a Noite dos Cristais, alcançou dimensões nacionais. Apoiada e
organizada por autoridades do Reich chegou a grandes conseqüências: quebraram milhares de
vitrines, destruíram 256 sinagogas, casas, agrediram milhares de judeus pelas ruas e centenas
foram mortos. Foi um prenúncio do que viria. Um dos raros comentários do governo foi que
“a destruição das vitrines trouxe um prejuízo muito grande para a economia Alemã, uma vez
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que as lojas que ainda restavam dos judeus seriam tomadas por alemães [arianos]” 73. Enfim,
devemos considerar que o Holocausto foi “um fenômeno político” e que o antissemitismo
serviu de instrumento de exclusão e extermínio para o Estado nazista. 74
Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro, o Holocausto deve ser compreendido em três
etapas distintas e não apenas como um fenômeno que teve início com a Noite dos Cristais:
- 1ª. etapa 1933 a 1935 do boicote econômico à represália cultural
- 2ª etapa 1935 a 1939 O fechamento do círculo: o prenúncio da catástrofe
- 3ª etapa 1939 a 1945 o extermínio como “ solução final”. 75
1ª. etapa: do boicote econômico à represália cultural
A partir também de 1933, após a ascensão de Hitler ao poder, o Estado nacionalsocialista
começou a criar uma rede de campos de concentração. Em 1934 já existiam
dezenas deles espalhados por todo o território alemão. [Comentário: * aliás, fazendo aqui um
parêntese, este é um item interessante e muito rico para ser analisado por um professor de
geografia] Hitler nomeou Heinrich Himmler para administrar os campos de Dachau, Bergen-
Belsen, Oranienburg, Esterwegen, Buchenwald, Sachhausen, e dezenas de outros.
Para estes espaços de exclusão foram mandados comunistas homossexuais, ciganos e
judeus, todos que eram considerados inimigos [políticos ou raciais], segundo a lógica do
governo nazista. Esses campos foram locais de testes para o que viria a seguir: a morte
sistemática de milhões de judeus. Prisioneiros comuns eram usados para manter ordem, com
violência. Imagine o impacto que havia na repressão ao colocar um criminoso comum para
controlar centenas de prisioneiros. Rudolf Hoss, mais tarde comandante de Aushwitz, foi
treinado nesses campos, desenvolveu técnicas de controle, tortura, humilhação. Devemos
consider que organização alemã para o genocídio foi planejada com mais de 6 anos de
antecedência, ou seja desde 1933.
Os judeus que conseguiram vistos para emigrar fugiram da Alemanha. Alguns não
acreditavam que a situação poderia piorar ainda mais e ficaram. Outros que queriam sair, não
tinham condições financeiras. A cada dia, a vida dos judeus na Alemanha nazista ficava mais
insuportável. Quando -- após a Noite dos Cristais -- os judeus que ali haviam ficado tentaram
sair, mas já era tarde demais.
O anuncio da catástrofe
Em primeiro de setembro de 1939 a Alemanha invadiu a Polônia. Em 6 de outubro
controla o país e instala um governo de ocupação. A Polônia foi dividida em duas partes: a
parte Leste era da Rússia e a parte Oeste da Alemanha. Resultado do acordo Ribemmtrop-
Molotov, firmado entre os chanceleres da Alemanha e da Rússia, um pacto de não agressão,
que mais tarde seria desrespeitado pelos alemães, dividia a Polônia entre os dois países. No
futuro, as terras da seriam distribuídas para os colonos alemães.
Inicialmente, os alemães ocupam um antigo quartel na cidade polonesa de Oswiecin
que ficaria conhecida para sempre pelo seu nome alemão: Aushwitz. Além do quartel, os
nacional-socialistas confiscaram várias fazendas para construir o imenso campo de Aushwitz-
Birkenau. Esse quartel foi transformado em campo de prisioneiros, como na Alemanha.
Inimigos do governo, comunistas, homossexuais, ciganos e judeus começaram a ser
mandados para lá. Toda a experiência apreendida nos campos da Alemanha foi colocado em
prática no campo Aushwitz-Birkenau. Com mais violência: torturas, fome, trabalhos
forçados.
Começava aqui o planejamento e a organização germânica para o próximo passo:
exterminar os judeus. Apesar disso Aushwitz ainda não era um campo de extermínio, como
depois seria seu anexo 2, Birkenau. Era um campo de concentração, uma prisão com as mais
bárbaras torturas.
73 Arianos era a denominação do partido nazista para a raça pura.
74 Sobre esta questão ver CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Holocausto, Crime contra a Humanidade.
São Paulo, Ática, 8 reimpressão, 2008, pp. 18-24.
75 Idem, pp. 39 a 66.
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Na Europa do Leste, Lituânia, Letônia, Ucrânia, Rússia, Polônia e outros países.
Viviam milhões de judeus. Quando a Wermarcht, o exército formal alemão avançava, logo
atrás vinham os Einszatzgroups, os grupos de extermínio. Objetivo: matar os judeus das
cidades conquistadas. Era a organização, o planejamento do assassinato em massa.
Os Einzatsgrups eram grupos de soldados SS formais, forças organizadas,
uniformizadas, orientadas por um oficial, com um objetivo bem definido: matar todos os
judeus das cidades ocupadas. Homens, mulheres, crianças, velhos. Matar todos,
absolutamente todos. O objetivo era matar. O estupro era proibido, pois as Leis de
Nuremberg, como vimos antes, proibiam a relação sexual entre alemães e judeus.
Mas, como funcionavam os Einzatsgroups?
Ocupavam uma cidade, mandavam que todos os judeus fossem reunidos na praça,
levados para a floresta onde deveriam cavar fossas coletivas. Em seguida, os nazistas
fuzilavam um por um: homens, mulheres, crianças. Um a um eram fuzilados. Muitos não
morriam na hora, caiam vivos nas fossas coletivas. Alguns poucos sobreviveram para contar
esse massacre. Fingiram-se de mortos.
Assassinato aos milhares. Num único dia 5, 10, 15 mil judeus eram assassinados
pelos Einzatsgroups. Os tiros nas florestas eram ouvidos no vilarejos pelos não judeus que ali
ficaram. Em seguida, suas casas eram invadidas, seus bens pilhados ou confiscados . Se
algum judeu se escondia, um vizinho não judeu o denunciava. Por ser judeu, era fuzilado na
hora. A cidade ficava livre de judeus: Judenfrei.
Em Babi Iar, numa ravina próxima de Kieve, numa única noite, entre 29 e 30 de setembro de
1941, foram mortos mais de 33.771 judeus. Mas tudo isso começou a se mostrar não eficiente,
dada a monumentalidade do projeto de extermínio. Não era econômico, nem prático e nem
humano, para os carrascos, como veremos adiante. A eficiência alemã concluiu que esses
grupos de extermínio não eram a melhor maneira de assassinar judeus.
Haviam muitos judeus no leste. Milhões. O trabalho do Einzatsgroups não era fácil.
Em 1941 esses grupos já tinham assassinado a tiros 700 mil judeus. O total de judeus a serem
mortos era de 11milhões. Nesse ritmo o objetivo não seria alcançado. Hitler e Himmler
estavam preocupados com o custo, a falta de eficiência da operação e com a reação
psicológica dos assassinos de homens, mulheres e crianças.
O custo: a Alemanha estava em guerra. Todos os esforços, toda a economia era
voltados para a guerra. Combustível, armas, munições. E levar os einzatsgroup com as tropas
do exército custava caro em transporte, diesel, comida, alojamento. Eram dois exércitos se
locomovendo. Além disso, esses assassinatos gastavam munição. Centenas de milhares de
pessoas sendo fuziladas, portanto, centenas de milhares de balas sendo usadas. Os alemães
chegaram a testar quantas pessoas enfileiradas poderiam matar com um único tiro. Isso
mesmo. A mãe com uma criança no colo podiam ser mortos com apenas um tiro.
O desgaste emocional dos carrascos: com o tempo, aqueles jovens que participavam dos
Einzatsgroups começaram a sentir os efeitos do assassinato em massa. Eles haviam sido
treinados para servir a Alemanha, serem soldados, não para matar mulheres e crianças. Após
alguns dias e semanas, assassinando mães que gritavam, crianças que choravam, homens que
rezavam, olhando nos olhos das vitimas que imploravam misericórdia, os nervos começaram
a fraquejar.
As doses de vodka ao final do dia começaram a aumentar.
Num fuzilamento à curta distância a cabeça explode, voa sangue, pedaços de cérebro.
Os jovens soldados ficavam com os uniformes vermelhos, cobertos de vísceras. As cenas
eram de horror. Por mais treinados que fossem, por mais que odiassem os judeus, esses
homens eram seres humanos, dos dois lados da arma, e o estresse chegava a pontos
insuportáveis. Por isso mesmo, não podemos aceitar suas justificativas de que apenas
“obedeciam a ordens”. Onde ficaram seus sentimentos?
A eficiência: o plano nazista era de exterminar os 11 milhões de judeus dos territórios
ocupados. No entanto, não se mata 11 milhões fuzilando. Foi então que as altas autoridades
alemãs procuraram formas mais “humanas” eficazes e rápidas de matar. Humanas para os
carrascos, não vitimas. À medida que o exército alemão avançava em direção ao Leste
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[conquista do espaço vital], mais cidades eram conquistadas e mais judeus eram feitos
prisioneiros. O que fazer com esses judeus, como se livrar deles?
Foi então que 15 altos funcionários do governo nazista reuniram-se em 20 de janeiro
de 1942 na pequena cidade de Wansee, praticamente um subúrbio de Berlin, encontro que
ficou conhecido como a Conferencia de Wansee. Um reunião secreta que criou um silogismo
para não usar a palavra assassinato: Solução Final.
A conferência foi presidida por Reinhard Heydrich, chefe da SS, encarregado da
coordenação das operações da SS contra os judeus. Havia um ministro de estado para
organizar a matança de judeus. Dois outros oficiais SS presentes: Heinrich Müller (Chefe
Gestapo) e Adolf Eichmann (SS). Após o assassinato de Reinhard Heydrich, a coordenação
da Solução Final passou para Eichmann. O participação de outras autoridades mostra a gama
de envolvimento do governo alemão e de autoridades civis necessárias para organizar e
administrar a Solução Final: Dr. Wilhelm Stuckart (Ministério Interior), Erich Neuman (
ministro do Planejamento), Dr. Roland Freisler (Ministério da Justiça Reich) todos doutores,
advogado, universitários, o Dr. Martin Luther (Ministro do Exterior) Friedrich Kritzinger
(Chancelaria Reich), Liebbrandt (Ministério do Reich para os Territórios Ocupados
Oriental, e da Raça e Liquidação, o principal instituto de Segurança Reich, de Segurança e da
Polícia e SD, entre outros. A Conferência de Wansee foi autorizada Herman Goering, braço
direito de Hitler.
Ou seja, os principais homens do governo alemão nazista participaram desse
encontro. Hitler, como sempre, não aparecia pessoalmente nem assinava nada sobre esse
assunto. Nesse encontro foram traçados os planos do extermínio dos 11 milhões de judeus
dos países já ocupados e que os alemães iriam ocupar na Segunda Guerra Mundial. O
silogismo para assassinato em massa: Solução Final do Problema Judeu.
A estrutura burocrática, as estratégias de organização e o domínio do planejamento
governamental alemão foram postos em prática para concretizar, sob segredo, o assassinato
em massa. Esta pode ser uma das diferenças a ser considerada entre o genocídio judeu e os
genocídios que aconteceram em Ruanda, Dafur, Kosovo, Sérvia, e tantos outros que
infelizmente existiram e existem no mundo. Estes não foram planejados e organizados de
maneira industrial.
Para levar a cabo o extermínio de 11 milhões de judeus, dos quais os alemães
assassinaram 6 milhões, participou grande parte da sociedade alemã 76: civil, militar e
empresarial. Não foi apenas o lumpen proletariado que Hitler chamou para as fileiras da SS e
que comandaram campos tiveram poder ilimitado sobre a vida dos “outros”. Médicos,
engenheiros, químicos, advogados, a cineasta Leni Rifenshtal, o arquiteto Albert Speer,
dentre outros, estiveram comprometidos com o III Reich e seus projetos de extermínio.
Uma empreitada desse porte não se faz sem planejamento, reflexão que nos ajuda à
entender porque o Holocausto é, ainda hoje, algo tão maléfico, inacreditável. Para tanto, eram
precisos bancos para financiar o projeto, construir os campos, comprar veneno, pagar os
guardas, transportar os judeus de diferentes pontos da Europa para o extermínio nos campos
nazistas em território polonês ou de trabalho escravo. Engenheiros e arquitetos para desenhar
e planejar os campos de concentração e extermínio simetricamente construídos, com
sofisticado sistema de iluminação, hidráulica, logística. Um soldado não planeja e executa
isso.
Há necessidade de químicos para preparar os gazes venenosos, pessoal de transporte,
para levar os judeus das cidades aos campos de extermínio. As empresas que controlavam as
ferrovias não transportavam os judeus de graça. Esse custo era negociado, pois havia
interesses por trás dessas mortes premeditadas.
Precisavam de mão de obra para trabalhar nos campos de concentração, sendo que os
lituanos e ucranianos, principalmente, se ofereciam para este tipo de trabalho e recebiam
salário para isso. Imaginem a dimensão deste “negócio”. Estamos falando em uma máquina
preparada para matar 11 milhões de pessoas, número equivalente à população de Campinas,
Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. E conseguiram matar mais de seis milhões de judeus,
76 Ver o livro “Carrascos Voluntários de Hitler”.
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além de outros grupos étnicos, religiosos e políticos. Imagem toda a população da cidade do
Rio de Janeiro. Minha sugestão é para que um professor de matemática trabalhe com estes
cálculos, sensibilizando seus alunos para o tema do genocídio.
Começaram os testes para a matança não de milhares, nem de centenas de milhares,
mas de milhões de seres humanos. Para matar milhões não era mais possível continuar com o
fuzilamento. Os primeiros testes foram com gás carbônico. Caminhões-baú com o
escapamento voltado para o interior do veículo foram testados. Centenas de prisioneiros
foram mortos nesses testes que não se mostraram tão eficientes. Eram demorados, gastavam
muita gasolina e diesel e não eram 100% eficazes. Então chegaram ao Ziklon B, um pesticida
usado inicialmente para combater os insetos e o tifo nos campos de concentração. Em doses
corretas, matavam em 15 minutos. Em 3 de setembro de 1941 foi testado e aprovado em 600
prisioneiros de guerra russos.
A partir de 1942 foram desenvolvidas as câmeras de gás. Em Birkenau três delas
chegaram a matar 25 mil pessoas por dia. Para evitar o pânico, eram disfarçadas de chuveiros.
Quem pensou nessa solução entendia de psicologia humana! Um problema surgiu da
eficiência em matar das câmeras de gás. Como se livrar de tantos corpos? As fossas comuns
ficaram pequenas e os corpos apodrecendo ao ar livre eram focos de doenças. Chegaram aos
fornos crematórios, construídos e planejados para agüentar temperaturas de milhares de graus,
24 horas por dia. Quem fez os cálculos de calorias ? Quem desenhou os fornos crematórios?
Com certeza técnicos especializados. A máquina alemã, a eficiência, o planejamento
chegaram ao resultado que a Solução Final exigia. Assim foram mortos 6 milhões de judeus
entre 1939 e 1945. Não foram em bombardeios, nem em tiroteios, nem na guerra. Foram
mortos de forma sistemática e friamente de maneira planejada.
Por isso o Holocausto judeu difere de qualquer outro genocídio e não pode ser
comparado a nenhuma ação militar, ação de guerra ou de invasão. Nem a explosões de
ódio popular.
O assassinato de 6 milhões de pessoas foi uma indústria.
O Holocausto foi uma máquina voltada para o extermínio de todo um povo.
O TESTEMUNHO DE UM SOBREVIVENTE
Um sobrevivente paulistano.
Julio Gertner tem sotaque da Europa do Leste, olhos azuis como o céu de outono, passou seis
anos entre a vida e a morte na Polônia e Áustria, mas é paulistano.
Julio representa um dos dezenas de milhares de sobreviventes do Holocausto que escolheram
São Paulo para viver. Explico. Julio nasceu em 1924 na Cracóvia, Polônia,
e em 1949 escolheu São Paulo para renascer. Ao chegar se encantou pela cidade e decidiu que
aqui iria recomeçar sua vida, longe das guerras da Europa e do anti-semitismo do velho
continente que assassinou seus pais e a maior parte dos seus
familiares. Julio logo descobriu que São Paulo era tolerante com os judeus, cosmopolita, tinha
uma exuberante vegetação que se misturava com o concreto e um clima maravilhoso, nem
tão frio como a Polônia, nem tão quente como o Panamá, onde
um dos irmãos, também sobrevivente, tentou morar mas acabou, por recomendação de Julio,
tornando-se paulistano. Julio tem passaporte brasileiro e considera-se tão paulistano quanto
seus netos que nasceram na maternidade do Hospital Albert
Einstein. A terceira geração dos Gertner é a alegria de Julio, que venceu a guerra contra Hitler
e preserva suas origens, tradições e história. Da invasão da Polônia pelos alemães, em 1939,
até o final da Guerra, em 1945, Julio viu e sofreu as piores torturas, ameaças, humilhações,
dores, perdas, pesadelos, ódio, fome, sede e desgraças que um ser
humano pode infringir a outro. Durante seis anos, viu mais gente morrer do que nascer. Viu
seu pai ficar sem trabalho porque era judeu, e conseguiu sustentar
os pais porque “não era parecido com um judeu”. Seus irmãos fugiram para a Rússia, mas ele
ficou, pois achava que a situação não podia ficar pior do que estava. Enganou-se. Seus pais
alugaram uma casa num vilarejo que parecia mais seguro que Cracóvia,
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mas depois de alguns meses os alemães emitiram uma ordem para que todos os judeus da
região se apresentassem na cidade de Procivic. Seus pais aconselharam que ele se escondesse,
o que salvou sua vida, pois os judeus lá reunidos foram transportados
para Maidanek, onde foram assassinados. No inverno de 1941, com apenas a roupa do corpo,
fugiu para o campo. Trabalhava e comia de noite e escondia-se de dia. Fazia pequenos
trabalhos em troca de um prato de comida, que era colocado na
porta das casas. Os camponeses evitavam o contato pessoal com ele, pois sabiam que era
judeu e que, se não o denunciassem, 10 pessoas seriam mortas. Dormia em celeiros, no mato,
em qualquer lugar em que pudesse se esconder. Cada noite num
esconderijo diferente por medo de ser capturado. Assim sobreviveu durante quase um ano até
que um dos irmãos voltou da Rússia, pois achava que a situação na Polônia não podia ser
pior. Mas era. Seu irmão escondeu-se num sótão, mas a pressão de ser apanhado era muito
grande, pois volta e meia surgiam noticias de judeus descobertos e mortos na hora, e então
decidiu ir para o Gueto de Cracóvia e Julio foi com ele. Ficaram apenas 10 dias, pois em 13
de março de 1943 foram levados ao campo
de Plasow. Ali, Julio conheceu Amon Goeth, comandante do campo, o terrível assassino
corrupto que ficou conhecido pelo filme “ A Lista de Schindler”. Ele ainda lembra dos tiros a
esmo que Goeth praticava da janela da sua sala e do feroz cão pastor que ele lançava sobre
algum judeu por pura diversão. Depois de 9 meses, Julio e o irmão foram levados para
Auschwtiz. Ficaram apenas 24 horas, pois ainda tinham forças para trabalhar, e foram
transportados para Mauthausen. Lá ficaram algum tempo fazendo um trabalho cujo objetivo
era destruir psicologicamente um ser humano, coisa que os alemães aprenderam a fazer com
perfeição durante a Guerra. O “trabalho” de Julio era levar pedras de um lado para o outro e
trazê-las de volta, horas a fio, dia após dia, semana após semana com uma ração mínima de
comida e água. De lá, Julio, seu irmão e milhares de outros prisioneiros foram transportados
para Melk, na Áustria superior, onde cavavam imensos esconderijos nas montanhas para que
os alemães escondessem os aviões V2 e as futuras bombas atômicas. Julio lembra que “teve
sorte”, pois trabalhou dentro dos túneis e assim sobreviveu ao terrível frio. De um grupo de
500 prisioneiros que trabalharam fora, apenas 4 sobreviveram. Como os russos ameaçavam
chegar em Melk, todos foram levados para Ebensee, onde o trabalho era mil vezes pior. Ali os
imensos esconderijos eram feitos na rocha, e como trabalhavam com água até os joelhos,
ninguém sobrevivia mais de uma semana. Caiam como castelos de cartas. Morriam aos
milhares. O destino trouxe “sorte” a Julio mais uma vez. Foi selecionado para um grupo que
iria desobstruir um cruzamento de trem bombardeado e aí, um vagão descarrilhado, carregado
de açúcar e chicória, foi sua salvação. Comeu o que conseguiu, isso lhe deu forças para
agüentar mais uns dias e, amarrando as calças pelos tornozelos, encheu as pernas com esses
preciosos alimentos. Mas ao voltar para o barracão, enquanto dormia, foi roubado por outro
prisioneiro faminto. Foi o pior roubo sofrido em sua vida, pois tratava-se da sua
sobrevivência. Entretanto, a “sorte” olhou para ele novamente e poucos dias depois, com o
avanço do exército americano, os alemães abandonaram o campo. Era o fim da Guerra, o fim
da escravidão e da destruição dos judeus. Julio, seu irmão e alguns milhares de mortos-vivos
foram encontrados pelo exército americano, que lhes deu comida, roupa e tratamento médico.
Seis anos depois do começo da Guerra, Julio venceu Hitler e ganhou um título que teria de
carregar pelo resto da vida: Sobrevivente do Holocausto. Da Áustria foi para Itália e morou
nos estúdios de Cinecitá, transformados em abrigos para sobreviventes e refugiados da
Guerra, e em Firenze conseguiu um visto para o Brasil depois de esconder sua origem judaica,
pois o Governo de Getulio Vargas recusava vistos para os judeus. Pegou uma passagem de
navio na quarta classe e, como ele diz com bom humor, não pegou quinta porque não tinha.
Mas parecia o paraíso perto do que ele havia passado nos anos da Guerra. Desembarcou no
Rio de Janeiro e veio encontrar seu irmão em São Paulo. O resto já sabemos. Foi amor à
primeira vista pela cidade. A CIP, Congregação Israelita Paulista, arrumou para ele emprego
com um judeu alemão que fugiu para o Brasil logo que os nazistas chegaram ao poder, e tinha
uma confecção no Jardim Paulista. Um revés fez Julio sair desse emprego e abrir uma
confecção na Av. da Liberdade. Aprendeu a trabalhar no comércio e tocou seu negócio, que
prosperou. Em São Paulo também conheceu sua esposa, italiana, judia, sobrevivente e
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paulistana como ele, que escolhera esta cidade para refazer a vida. Tiveram os filhos, os
netos, entraram de sócios na Hebraica, o maior clube judaico do mundo fora de Israel, onde
joga tênis diariamente e freqüenta a sinagoga. Mora no bairro de Higienópolis, onde está
concentrada a maior parte da comunidade judaica de São Paulo, que é a maior do Brasil. Em
2008 foi com toda a família fazer a “Marcha da Vida” e mostrou pessoalmente para seus
filhos e netos os lugares onde sofreu. Julio me surpreendeu por não ser uma pessoa rancorosa
apesar do que passou. Sofre com seu passado, é claro, pois fala sobre isso todas as vezes que
encontra seu irmão, mas não tem ódio nem raiva. Transmitiu aos filhos e netos sua história,
testemunha ocular de quem sofreu apenas por ser judeu e acha que cumpriu a sua missão, que
era de sobreviver aos nazistas e dar continuidade à Marcha da Vida.
TESTEMUNHOS
Depoimentos de sobreviventes da Fundação Shoah. Shoah Foundation, organização criada
por Steven Spielberg para documentar em vídeo o depoimento de sobreviventes ao redor do
mundo.
Arqhsoah- Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo. LEER/USP:
www.arqshoah.com.br
BIBLIOGRAFIA
GOLDHAGEN, Daniel. Os carrascos voluntários de Hitler. São Paulo, Ed. Cia das
Letras.
DWORK, Deborah; PELT, Robert Jan van. Holocausto, uma história. São Paulo,
Editora Imago.
Roseman, Mark. Os nazistas e a Solução Final, Wansee. São Paulo, Editora Imago.
Pitliuk, Marcio. A Marcha da Vida. São Paulo, Editora PitCult.
FILMES E DOCUMENTÁRIOS
LANZMANN,Claude. Shoah.
MUSEUS
Unisted States Memorial Holocaust Museum, Washington.
Museum of Tolerance, Los Angeles.
Museum of Jewish Heritage, New York.
Mémorial de la Shoah, Paris.
Yad Vashen, Jerusalem.
Illinois Holocaust Museum and Educacional Center, Chicago.
Museu de Aushwitz, Oswiecim.
Museu de Maidanek, Lublin
Museu do Levante do Gueto de Varsóvia, Varsóvia

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